Por José Geraldo de Santana Oliveira*
Dentre os itens que compõem a vasta pauta da Conclat 2022, ganha relevo o 16, que se apresenta como um dos mais abrangentes, senão o mais, de todos eles. Com a finalidade de incentivar o amplo e democrático debate sobre sua relevância social, justeza, pertinência e oportunidade, trazem-se, aqui, algumas reflexões, sujeitas às salutares divergências e contestações.
Eis o que diz o referido item:
“16. Promover reestruturação sindical que democratize o sistema de relações de trabalho no setor público e no setor privado, urbano e rural, fundada na autonomia sindical, visando incentivar as negociações coletivas, promover solução ágil dos conflitos, garantir os direitos trabalhistas, assegurar o direito à greve e coibir as práticas antissindicais, para fortalecer as entidades sindicais, ampliar a representatividade e a organização em todos os níveis, estimulando a cooperação sindical entre os trabalhadores e o respeito às assembleias, inclusive com o financiamento solidário e democrático da estrutura sindical.”
I DA RELEVÂNCIA E DA IMPRESCINDIBILIDADE DOS SINDICATOS
2 O consagrado romancista e dramaturgo italiano Luigi Pirandello (1867-1936), em sua instigante peça “Seis personagens à procura de um autor”, de 1921, por meio do personagem ”Pai”, afirma que “quem tem a sorte de nascer personagem viva, pode rir até a morte. Não morre mais! Morrerá o homem, o escritor, instrumento de criação; a criatura não morre jamais! E para viver eternamente, nem mesmo precisa possuir dotes extraordinários ou realizar prodígios”.
3 Algo parecido com essa emblemática construção metafórica de Pirandello dá-se com os sindicatos, mas, com algumas diferenças nucleares: a luta de classes, a cada dia com nova roupagem e igual conteúdo, que fizeram deles necessidade premente, continua viva e intensa; os/as trabalhadores/as que os criaram, como permanente, vigilante e eficaz instrumento de defesa de seus direitos e interesses, igualmente, continuam vivos e atentos.
4 Tal como os personagens da peça, os sindicatos não morrerão nunca, enquanto existir luta de classes, posto que sem eles, fortes e vigorosos, os/as trabalhadores/as sucumbem-se à cruel e desmedida ganância do capital.
5 A prova da necessidade e da relevância social dos sindicatos, ontem, hoje e sempre, pode ser facilmente confirmada pela perseguição sem trégua que lhes destinam os defensores do capital, na esfera dos três poderes.
Ontem, por meio da violência física, da prisão de seus dirigentes, da intervenção e da cassação de seus dirigentes. Hoje, a violência contra os/as trabalhadores/as e suas organizações sindicais, dá-se, em regra, por meio de normas que lhes esvaziam as atribuições e estrangulam suas fontes de receita, sendo a prova mais cabal dessa deliberada cruzada a Lei N. 13.467/2017. Bem assim, pela jurisprudência do STF (Supremo Tribunal Federal), que chegou ao extremo de os declarar desnecessários, no julgamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5794 — na qual a Contee ingressou como amicus curiae — e da ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) 55, que trataram da (in)constitucionalidade da conversão da contribuição sindical em facultativa. Do mesmo mesmo, tem-se as recentes decisões da SDC (Seção de Dissídios Coletivos) do TST (Tribunal Superior do Trabalho), condenando-os a pagar multa fixada em dissídios de greve aos sindicatos patronais e declarar abusiva a greve contra a reforma da previdência social.
As última intervenções guiadas pela violência física institucional foram o massacre da greve na CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), em Volta Redonda-RJ, em 1989, que terminou com o fuzilamento de três operários pelas tropas do Exército; e o decreto de prisão dos dirigentes do Sindicato dos Rodoviários do Maranhão pela desembargadora Solange Cristina, do TRT da 16ª Região, em fevereiro último.
Eis o que diz o item 13 da ementa do acórdão proferido na ADI 5794:
“13. A Lei nº 13.467/2017 não compromete a prestação de assistência judiciária gratuita perante a Justiça Trabalhista, realizada pelos sindicatos inclusive quanto a trabalhadores não associados, visto que os sindicatos ainda dispõem de múltiplas formas de custeio, incluindo a contribuição confederativa (art. 8º, IV, primeira parte, da Constituição), a contribuição assistencial (art. 513, alínea ‘e’, da CLT) e outras contribuições instituídas em assembleia da categoria ou constantes de negociação coletiva, bem assim porque a Lei n.º 13.467/2017 ampliou as formas de financiamento da assistência jurídica prestada pelos sindicatos, passando a prever o direito dos advogados sindicais à percepção de honorários sucumbenciais (nova redação do art. 791-A, caput e § 1º, da CLT), e a própria Lei n.º 5.584/70, em seu art. 17, já dispunha que, ante a inexistência de sindicato, cumpre à Defensoria Pública a prestação de assistência judiciária no âmbito trabalhista.”
6 Os representantes do capital têm plena consciência de que, para quebrar a resistência dos/as trabalhadores/as, para além da redução e/ou supressão legal de seus direitos, é imprescindível que se quebrem, antes ou simultaneamente, os sindicatos, como o fez com perversidade a Lei N. 13.467/2017.
7 A importância dos sindicatos na defesa dos direitos e dos interesses dos integrantes de suas respectivas categorias é expressamente declarada pelo STF, no recurso extraordinário (RE 590415), que abriu largos para a prevalência do negociado in pejus (para prejudicar) sobre o legislado, como se constata pela literalidade da ementa do acórdão nele prolatado, ainda que seja para justificar retrocesso social, como de fato o foi no caso concreto.
Eis o que se registra no item 3 da referida ementa:
“3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual”.
No item 10 do voto proferido nesse processo, patenteia:
“10. Não se espera que o empregado, no momento da rescisão de seu contrato, tenha condições de avaliar se as parcelas e valores indicados no termo de rescisão correspondem efetivamente a todas as verbas a que faria jus. Considera-se que a condição de subordinação, a desinformação ou a necessidade podem levá-lo a agir em prejuízo próprio. Por isso, a quitação, no âmbito das relações individuais, produz efeitos limitados. Entretanto, tal assimetria entre empregador e empregados não se coloca – ao menos não com a mesma força – nas relações coletivas”.
8 O ministro do TST Maurício Godinho Delgado, que prima sua atuação pela coerência e por posições e votos em prol da valorização do trabalho humano e dos sindicatos, quanto a estes, assevera:
“Os sujeitos do Direito Coletivo, são portanto, essencialmente os sindicatos, embora também os empregadores possam ocupar essa posição, mesmo que agindo de modo isolado. Tal diferenciação ocorre porque os trabalhadores somente ganham corpo, estrutura e potência de ser coletivo por intermédio de suas organizações associativas de caráter profissional, no caso, os sindicatos. Em contraponto a isso, os empregadores, regra geral, já se definem como empresários, organizadores dos meios, instrumentos e métodos de produção, circulação e distribuição de bens e serviços; logo, são seres com aptidão natural de produzir atos coletivos em sua dinâmica regular de existência no mercado econômico e laborativa” (DELGADO, Maurício Godinho. 2018, p. 1579).
De acordo com a Convenção N. 98 da OIT (Organização Internacional do Trabalho):
“os trabalhadores deverão gozar de adequada proteção contra todo ato de discriminação tendente a menoscabar a liberdade sindical em relação ao seu emprego” (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. 2012, p. 180).
II DA HISTÓRICA ORGANIZAÇÃO SINDICAL POR CATEGORIA
9 A rigor, a organização sindical por categoria remonta-se à primeira norma de direito sindical, que é o Decreto N. 979, de 6 de janeiro de 1903, que tratou da organização sindical dos profissionais da agricultura, seguida por: Decreto N. 1.637, de 5 de janeiro de 1907, primeira norma de organização sindical urbana; Constituição de 1937 (Art. 138); Decreto-lei N. 5452 (CLT), de 1º de maio de 1943, ainda em vigor (Arts. 511, 513,516, 570,571, 572 e 1573); Constituições de 1946 (Art. 159), 1967 (Art. 159), 1969 (Art. 166) e 1988 (Art. 8º). A única exceção normativa à organização sindical brasileira por categoria foi a Constituição de 1934, que vigeu por apenas três anos, que estabelecia, em seu Art. 120:
“Art 120 – Os sindicatos e as associações profissionais serão reconhecidos de conformidade com a lei”; e nada mais.
10 Os Arts. da CLT, ainda vigentes, assim dispõem:
“Art. 511. […]
“Art. 516 – Não será reconhecido mais de um Sindicato representativo da mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão liberal, em uma dada base territorial.”
“Art. 570. Os sindicatos constituir-se-ão, normalmente, por categorias econômicas ou profissionais, específicas, na conformidade da discriminação do quadro das atividades e profissões a que se refere o art. 577 ou segundo as subdivisões que, sob proposta da Comissão do Enquadramento Sindical, de que trata o art. 576, forem criadas pelo ministro do Trabalho, Indústria e Comércio.
Parágrafo único – Quando os exercentes de quaisquer atividades ou profissões se constituírem, seja pelo número reduzido, seja pela natureza mesma dessas atividades ou profissões, seja pelas afinidades existentes entre elas, em condições tais que não se possam sindicalizar eficientemente pelo critério de especificidade de categoria, é-lhes permitido sindicalizar-se pelo critério de categorias similares ou conexas, entendendo-se como tais as que se acham compreendidas nos limites de cada grupo constante do Quadro de Atividades e Profissões.”
“Art 571. Qualquer das atividades ou profissões concentradas na forma do parágrafo único do artigo anterior poderá dissociar-se do sindicato principal, formando um sindicato específico, desde que o novo sindicato, a juízo da Comissão do Enquadramento Sindical, ofereça possibilidade de vida associativa regular e de ação sindical eficiente.”
“Art 572. Os sindicatos que se constituírem por categorias similares ou conexas, nos termos do parágrafo único do art. 570, adotarão denominação em que fiquem, tanto como possível, explicitamente mencionadas as atividades ou profissões concentradas, de conformidade com o quadro das atividades e profissões, ou se se tratar de subdivisões, de acordo com o que determinar a Comissão do Enquadramento Sindical.
Parágrafo único – Ocorrendo a hipótese do artigo anterior, o Sindicato principal terá a denominação alterada, eliminando-se-lhe a designação relativa à atividade ou profissão dissociada.”
“Art. 573 – O agrupamento dos Sindicatos em Federações obedecerá às mesmas regras que as estabelecidas neste Capítulo para o agrupamento das atividades e profissões em Sindicatos.
Parágrafo único – As Federações de Sindicatos de profissões liberais poderão ser organizadas independentemente do grupo básico da Confederação, sempre que as respectivas profissões se acharem submetidas, por disposições de lei, a um único regulamento”.
III DO ENVELHECIMENTO DA FORMA DE ORGANIZAÇÃO SINDICAL BRASILEIRA
11 O período que medeia entre os 79 anos da CLT (1º de maio de 1943), e até mesmo entre os mais de 33 anos de promulgação da CF de 1988, e os dias atuais traz a marca de profundas modificações no mundo do trabalho e na dinâmica da vida social, atingindo em cheio a organização sindical, que se mantém legalmente inalterada.
12 A essas profundas mudanças somam-se, com peso decisivo, as travas normativas e jurisprudenciais impostas às relações de trabalho e ao direito sindical, umas e outras primando pelo mau propósito de enfraquecer a resistência dos/as trabalhadores/as, seja pela supressão e/ou redução de seus direitos, seja pelo estrangulamento, amordaçamento e esvaziamento de suas organizações sindicais.
13 Soma-se também a pletora de decisões da Justiça do Trabalho que contornam a unicidade sindical, estabelecida pelos Art. 8º da CF e 516 da CLT, por aquele recepcionado. Com isso, segundo dados do Cnes (Cadastro Nacional de Entidades Sindicais), em 20108, achavam-se registrados 11.578 sindicatos, 424 federações e 36 confederações de trabalhadores, em âmbito nacional.
14 Não obstante essa pulverização de sindicatos, apenas 36% (34,4 milhões) de trabalhadores/as dos/as 95,3 milhões de ocupados/as, consoante dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) contínua, referente ao trimestre janeiro, fevereiro e março de 2022, que correspondem ao total com carteira assinada, encontram-se representados/as sindicalmente; ou, na melhor das hipóteses, a eles se juntam os/as 12,2 milhões com contrato formal, mas sem a CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social) assinada, o que eleva o total para 46,6 milhões e o percentual para 48,85%.
15 Faz-se necessário registrar que a representatividade sindical dos 38,9 milhões que estão na informalidade, ou seja, sem contrato de trabalho formal, bem assim dos 11,9 milhões desempregados, não é reconhecida institucionalmente, nem mesmo pela Justiça do Trabalho. Importa dizer: essas dezenas de milhões de trabalhadores/as, tal como os personagens da peça teatral citada na epígrafe, que buscavam um autor, buscam o manto sindical de proteção, sem o obter, por força das vicissitudes que os cercam.
E mais: ainda de acordo com a última Pnad contínua, dos 172,7 milhões em idade de trabalhar, 107,2 milhões estão na força de trabalho, o que representa 65,5 milhões fora da desta; e dos que estão na força de trabalho, 63,2 milhões contribuem para a previdência social, e, por conseguinte, 44 milhões, ou 41,12%, não.
Com isso, 109,5 milhões dos que estão em idade de trabalhar, igualmente, não se acham sob o manto da previdência social; ou, se se preferir reduzir o alcance dessa catástrofe, numericamente, 32,1 milhões dos 95,3 milhões de ocupados encontram-se nessa situação. O que será deles, no presente e no futuro? Por certo, o desamparo total.
16 Insta destacar que, para além dessa inexplicável antirrepublicana exclusão do protetivo manto sindical e previdenciário, o STF criou a subcategoria dos terceirizados, posto que os excluiu do direito de representação pelos sindicatos que representam os diretamente contratados pelas tomadoras, seja na atividade-meio, seja na atividade-fim (RE 958552) e, por conseguinte, das garantias insertas em instrumentos normativos coletivos (convenções e acordos) com elas firmados (RE 635546).