Por José Geraldo de Santana Oliveira*
“Andarei por aí no escuro. Estarei em toda parte. Para onde quer que olhem. Onde houver uma luta para que os famintos possam comer, estarei lá. Onde houver um polícia a espancar uma pessoa, estarei lá. Estarei nos gritos das pessoas que enlouquecem. Estarei nos risos das crianças quando têm fome e as chamam para jantar. E quando as pessoas comerem aquilo que cultivam e viverem nas casas que constroem. Também lá estarei” — Tom Joad, personagem central do livro “As Vinhas da Ira”, de John Steinbeck, 1939.
Há exatos 135 anos — 1º de maio de 1886 —, coincidentemente também em um sábado, Chicago, capital do estado Illinois, nos EUA, sofreu o maior abalo de sua história, jamais visto antes ou depois. Porém, não foi um abalo sísmico; foi, sim, um colossal abalo social, que ainda hoje faz ecoar seu brado.
Naquele dia, os empregados não saíram para seu trabalho; mas foi o contrário do sonho de poeta Raul Seixas, revelado em sua belíssima música “O dia em que a Terra parou”, quando o empregado não saiu para seu trabalho porque sabia que o patrão não estava lá.
Em Chicago, no dia 1º de maio de 1886, os patrões estavam, sim, à porta de suas empresas, tomados de pavor pela força da marcha dos trabalhadores, e cheios de ira, prontos para os matar, como de fato o fizeram com as principais lideranças da greve.
Os empregados não saíram para seu trabalho para participar da marcha contra as iniquidades sociais que os assolavam todos os dias do ano; marcha que era simbolizada pela reivindicação de jornada de 8 horas, e não de 14 a 16, às quais eram submetidos.
Assim, naquele dia, Chicago parou pela greve e a marcha dos operários; parou, também, para ouvir o retumbar do ensurdecedor e imorredouro desses injustiçados, impiedosamente explorados pelo capital; parou, ainda, para ouvir as vibrantes e imortalizadas vozes dos líderes do movimento, tais como August Spies, Sam Fielden, Oscar Neeb, Adolph Fischer, Michel Schwab, Louis Lingg e George Engel, que foram espancados, presos e enforcados, com exceção de Lingg, que se suicidou; Fielden e Schwabb, condenados à prisão perpétua; e Neeb, condenado a quinze anos de prisão.
Aos enforcados, juntou-se Albert Parsons, que não foi preso durante a greve, mas que, numa demonstração de lealdade, destemor, firmeza de caráter e crença na luta, em tempo algum vistos, apresentou-se espontaneamente ao tribunal da morte e pediu para ser processado “junto com seus companheiros inocentes”, tendo sido condenado e enforcado.
É bom que se registre que todos os que foram enforcados caminharam serenamente para o cadafalso, com passos firmes, resolutos e conscientes de que ali morriam os corpos; os ideais ganhariam o mundo e nunca se dissipariam.
A partir daquele dia, o mundo do trabalho nunca mais foi o mesmo. O capital, como já dito, recrudesceu sua violência e o seu ódio de classe, matando a sangue frio, em nome da lei e da ordem; os trabalhadores, agarraram-se àquela bandeira que fez tremer seus algozes e nunca mais a soltaram.
O dia 1º de maio, igualmente, nunca mais foi igual. Deixou de ser apenas uma marca no calendário gregoriano. Fez-se independente; adquiriu personalidade própria, convertendo-se em uma bandeira que simboliza coragem para a luta e esperança, que tremulará por todo o sempre; primeiro, para varrerem definitivamente as iniquidades sociais; ao depois, como reverência eterna àqueles e àquelas que tombaram na luta, para que esse dia chegasse.
Os líderes do eterno 1º de maio de 1886, presos e condenados pelo crime de defender a dignidade de todos os trabalhadores, foram guindados ao panteão da história, pois, como alguns deles profetizaram pouco antes do enforcamento, sua morte não seria bastante para calar a sublime voz dos trabalhadores em defesa de justiça social; ao reverso, serviria como rastilho de pólvora, o que de fato se fez.
Em voz firme, cujo eco se disseminou para o tempo presente e futuro, Spies bradou, em sua defesa: “Se com o nosso enforcamento vocês pensam em destruir o movimento operário — este movimento do qual milhões de seres humilhados, que sofrem na pobreza e na miséria, esperam a redenção —, se esta é sua opinião, enforquem-nos. Aqui terão apagado uma faísca, mas lá e acolá, atrás e na frente de vocês, em todas as partes, as chamas crescerão. É um fogo subterrâneo e vocês não podem apagá-lo”.
Já no cadafalso, faz ecoar pelos séculos sem fim: “Adeus, o nosso silêncio será mais potente do que as vozes que vocês estrangulam”.
Do mesmo modo e com igual significado, Lingg asseverou: “Permitam que vos assegure que morro feliz porque estou certo de que centenas, milhares de pessoas a quem falei recordarão minhas palavras.
Albert Parsons, em defesa dos ideais pelos quais se ofereceu à forca, fez o último chamamento aos seus irmãos de fé de luta, que àquela oportunidade não foram levados ao tribunal da morte: “Arrebenta a tua necessidade e o teu medo de ser escravo, o pão é a liberdade, e a liberdade é o pão”.
A última lição de coragem e solidariedade de Fischer teve lugar no cadafalso, sendo as suas últimas palavras: “Eis o dia mais feliz de minha vida”.
Esse é o primeiro de 1º, desde o longínquo ano de 1886; e assim será pelos decênios, centenários e milhares vindouros.
Com toda certeza, a sentença da epígrafe, proferida pelo citado personagem, magnificamente interpretado por Henry Fonda, no filme de John Ford, de 1940, com o título do livro, encerra os ideais do dia 1º de maio.
Fica, aqui, a singela e sincera sugestão de revisita ao marco inicial dessa data, que, desde então, é e será sempre símbolo de luta e de esperança dos oprimidos pelo capital, mundo afora; que se reflita sobre a firmeza e abnegação de todos os participantes daquele ato de bravura e de construção do futuro, especialmente dos que foram trucidados pelo agentes do capital; e que, galhardamente, como anotado, preferiram a morte à submissão e à negação das bandeiras pelas quais lutaram com valentia, em vida.
Só assim restará a todos que o capital e suas injustiças, que é sua razão de ser, bem como os facínoras que, a serviço desse, sacrificam a nação, não são eternos nem capazes de destruir o porvir.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee